O artigo abaixo contém revelações sobre o enredo, se você ainda não assistiu ao filme, vaza. Ou siga por conta e risco.
O nosso KMF sabe e gosta muito de fazer cinema, e gosta de saber fazer cinema: se diverte, e isso ficou mais que óbvio no seu filme anterior, o Retratos Fantasmas (também foi uma baita experiência assistir no cinema, no começo achei que ele ia dar uma baita duma petracostada e daí vira legal, e melhorou desde Bacurau, que também foi massa de ver na telona). Retratos…é retomado nesse aqui dum jeito impressionante, nessa manha de alinhavar várias histórias que existiram enquanto notícia pra ser comentário social – o filme todo é feito assim, como por exemplo as alusões à perseguição ao reitor Cancellier e ao tratamento dispensado à Sari Corte Real, por exemplo – e as reinventar como pilares em outra história que seja crível, essa sim a ser contada ali, não é pouca coisa.
E daí que esse regozijo cinematográfico tá mais explícito ainda nos diversos usos de jornal impresso: como notícias que informam a narrativa, como sustento pra molecada se espremendo pra comprar exemplares pra revender, pra cobrir cadáver, enquanto fotolito digitalizado na pesquisa, enquanto suporte pra mentiras difamatórias e propagação de lendas que servirão de cortina de fumaça. Há ao menos um outro gozo explícito de realizador, os grandes planos abertos do Recife e toda a caraterização de época, com os carros na Ponte do Pina, placas, roupas, cabelos pelas ruas da cidade.
A sequência de fantasia ensejada por Perna Cabeluda, a alegoria de ter que ser fantasioso quando a gente perde tudo ou tá no limiar de perder tudo, até o nome (desenhada na trama secundária da turma do aparelho e seus nomes de guerra), no que sobrou de possibilidades dentro do que vira um cruel Estado Permanente de Carnaval, já que é sob uma ditadura. Não por acaso a praça do sexo ali e a reação violenta ao lugar que fode tudo ao seu redor pelo rádio, jornal, revista e outdoor – a mentira repetida mil vezes, em todos os tons. A discussão entre o dito e o não-dito, regras e o uso prático dos subterfúgios dentro dos limites delas, aka a burocracia vai localizada na repartição pública com função falsa e documentos mais que reais, e obviamente no final entre a pesquisadora e Wagner filho, o que e quem se apreende e o que se perdeu pra sempre.
A ótima sequência de ação final no passado desemboca num presente estéril, faltoso, luz branca, e com o destino do protagonista quase contado, a cena do menino esperando no portão com a melhor roupa descrita, e não filmada de maneira piegas são muita coisa e devem ter frustrado muita cria do jeito Globo de subestimar público. A atuação do Wagner Moura é gigantesca, e o elenco todo muito bom, inclusive, direção de arte um primor, trilha no alvo, figurinos jóia e fotografia linda. Estranhei uma falta de foco na Maria Fernanda Cândido ali certo momento, mas OK, agora, um detalhe imperdoável pra mim: Drop Dead. Muito menos se fosse a banda.

