mão e caneta PB desenhados por esferográfica em folha de caderno. 2025 escrito

O furo do jornalismo 2025

Confesso que sorvi deliciosamente o desespero palpável dos gringos nesse compilado aqui sobre o futuro próximo do jornalismo e da comunicação como um todo. Tratando de 2025 com o Trump no retrovisor e no para-brisa, é bem gozado sacar as previsões horrorizadas: muita inferência sobre audiência com direito a personagens metafóricas e pavor das tais câmaras de eco, muitas promessas e ameaças de sinalização de virtude, monitoramento de redes sociais enquanto ágora, exaltação do contrarianismo baseado em destino manifesto, altas sacadinhas pra vender curso, palestra e método tipo aquele golpe Smart Brevity da Axios — sai fora, mama me olhando —, e já que tamo falando disso, muita, mas muita subserviência ao mercado nas diferentes formas de acomodar o uso de IA de algum jeito. Quer dizer, com aquela empáfia agigantada que só a língua inglesa proporciona, vem aí a oposição mais afrontosa que aquele país já viu, ninguém solta a mão de ninguém etc. Um longo ano de gringos copiando. 

O pior é que já vivemos isso aqui. Tem essa diferença braba de lá os veículos tradicionalmente declararem apoio a candidatos em eleições e aqui não, abertamente ao menos. Isso muda legal porque os donos das empresas de mídia costuram seus acordos sem nem fechar a porta do banheiro direito e o cheirão de cocô sobe forte na cara de geral. Isso durante as campanhas. Nem bem chegaram os resultados e a empresariada ricona lá já mete cartas de boas-vindas pra quem for eleito, vai lá em casa essa semana, Simone faz aquela janta. We coup whoever we want et caterva. Duvido que mude muito após Luigi, no máximo contratam mais capangas

Aqui, por exemplo, pra falar das nossas eleições mais recentes e que acompanhei, a Folha, maior jornal do Brasil, fez publis antiéticos pro Ricardo Nunes e nunca declarou apoio formalmente. Alguém cobrou, questionou, fora usuários de rede social? Não, né? Conselho nenhum, porra nenhuma. Suave pro Grupo Folha, porque daí fica nessas de opinião de cracudo não conta. Daí tem que ler nas entrelinhas, comparar tratamentos aos candidatos e não só se guiar por manchetes lacradoras e, sinceramente, geral tem mais o que fazer. Que porcariada. A propósito: o diretor do GF atualmente chama Luiz Frias, é o herdeiro da família fundadora do folhetim.

Mas bem, das soluções utilitárias aventadas pelo pessoal ali tem o jornalismo comunitário. Sei lá como é lá, mas pra veículo pequeno virar pro modelo rádio/TV e jornal de interior, retransmissoras da Globo, é um, dois. Nos tempos mais recentes tudo muito baseado em página em redes sociais do androide Rede Social e, se maiorzim, na do maior divorciado do planeta também. Então cai nessa submissão aos poderes locais instituídos ou não — e a gente é top 10 em assassinato de jornas —, além da treta da dinâmica de cassino enquanto superestrutura. Mas ainda tem uma parada aí, já volto. 

Em geral, esse tipo de futurologia vira uma grande confusão entre soluções de comunicação e soluções de modelos de negócio, quer dizer, preocupações de trabalhador e preocupações de patrão, respectivamente. Ou não, né, já que o ofício foi também uberizado, o patronato pode deitar em berço esplêndido bem na moralzinha: você, jornas, é o próprio patrão já que é MEI, pejotinha, então tem que pensar o conteúdo, forma e modelo de distribuição. Pensa legal, ache altas soluções aí que logo vem algum colega de profissão bancado por algum bilionário condescendente e te copia. E se puder, vende curso. O sucesso no jornalismo corporativo depende 90% da traição de classe. 

O que antes era prática de terror interna de redações — se não aumentar a circulação ou tornar mais palatável pro departamento comercial é rua pra alguém ou alguéns — foi finalmente internalizado na psique do funcionário de si mesmo.  Até nos convencer, nós, pobres coitados, que jornalista não é artista, ficou bem mais difícil. Onde é que fica a paz entre nós e guerra aos senhores agora? Brincadeira, fica na mesma, eu sei, você sabe o que é frustração. E artista é outro trabalho. 

mão e caneta PB desenhados por esferográfica em folha de caderno. 2025 escrito

Então, o que acho que configurará o jornalismo brasileiro em 2025? No corporativo, um monte de vira-lata batendo palma pra uma suposta isenção dos veículos norte-americanos mesmo que o donos tenham declarado aliança ao Laranjito, nenhuma inovação de formato que não seja correr atrás do próprio rabo porque nenhum deles vai estudar o que deu certo e errado aqui na cobertura durante o governo do Bolsa de Cocô Mal Cerzida, e falharam localmente também já que estão perdidos e já é o segundo mandato do golpista deles e o quarto poder deles fiscalizou mal e porcamente, comunicou pior ainda com os john smith e mary jane hipotéticos etc e tal. Lá e cá, muito jornalismo declaratório. Vai ter aqui muita insistência em não-assuntos pautados tipo matéria de fundo humano Guerra da Ucrânia ou seja lá qual for a bola da vez (desde que não seja Gaza) com nenhuma clareza geopolítica. Vai ter muito arauto de golpista (seja coletinho da Faria Lima ou vagabundo das forças mamadas) ganhando salário super legal e sendo super considerado por seus pares. Vai ter muita lenha pro pessoal se digladiar defendendo qualquer absurdo que pareça garantir alguma estabilidade aka governabilidade do governo federal. Vai ter cultura, uma das nossas maiores possibilidades de soft power na arena global, sendo tratada como bijuteria, bem supérfluo, um capricho, por direita e esquerda, por absoluta falta de capacidade e preparo pra tratar o assunto. Neoliberalismo.     

A linha borrada entre os agit-prop de extrema-direita e os jornas oclinhos não é um problema cognitivo da audiência. É inerente ao modelo que impõe uma isenção de posicionamento político inexistente, que finge não obedecer a uma ordem econômica — seja do Vale do Silício ou sei lá que agro petróleo nos EUA ou as construtoras e a polícia que mandam em SP. Até os macacos de auditório de facho tão constantemente sendo questionados a quem servem, se liga. 

Historicamente, o que a gente sabe das câmaras de eco na música é que foram desenvolvidas como espaços físicos pra reproduzir os efeitos de som em igrejas. O que obviamente é uma meia verdade bem europeiazinha, porque igreja acusticamente é uma síntese de cavernas, templos, teatros e outros locais de culto que certamente não foi nem o François nem o Fritz nem o Rodney quem inventaram. No começo do século 20 a compactação eletrônica traz aparelhos funcionando fisicamente e na eletricidade ao invés de salas e daí é um abraço. Vira um dos grandes alteradores de música gravada ou ao vivo, possibilita camadas falsas pra enaltecer verdades, de grupos vocais ao rock, novas possibilidades que vão mudar tudo e criar gêneros que criam tudo como o dub. Tudo isso pra dizer que toda vez que vejo estrangeiro ou substituição de importações falando em câmara de eco me vem imagem mental da fuça do maestro Julio Medaglia: ressentido, louco por atenção, velho gritando pra nuvem. Contrarianismo estéril e histérico. Então que eles chamam de câmera de eco você pode enxergar enquanto comunidade, tratar as suas assim e inventar coletivamente as nossas novas linguagens.