No vídeo novo da Pó de Vidro, uma viagem ao fim da noite com a DJ Dayeh.
Me parece que veio aí a vanguarda popular. Mentira, mas explico: na história da humanidade nunca tanta gente ouviu tanta música tão barulhenta assim. E antes de mais nada, não me venham com os maiores sucessos do nu metal, que pesado e barulhento podem sim ser parceiros ou amantes ocasionais, mas também inimigos mortais. A atualidade do funk de SP, talvez há mais tempo do que seria saudável pro próprio subgênero, traz embalagens musicais que poderiam ter saído de experimentos de música concreta ou eletroacústica da primeira metade do século 20, de bandas de rock industrial dos anos 1980 ou de qualquer projeto de noise desde 1910 até o mês passado numa galeria na Barra Funda. As camas etéreas formadas pelas dinâmicas de graves e ausências dos funks atuais de BH me soam mais propositivas, por exemplo (lógico que tudo que é sólido desmancha no ar, não duvida que é uma piscada de olho e quando cê vê passou a boiada e o que prestava ficou no mata-burros, mas enfim).
Então esse funk atual de SP segue barulhando em timbres e frequências, enquanto o formato das suas canções e arranjos são bem usuais, algumas em formato de marchinha ou até de cantiga. Num geral, é o som da uberização, com a morte dos semáforos e das mãos de trânsito, do bem público, e também a possibilidade de anulação desse individualismo assassino numa experiência compartilhada que é fura tímpano. Ainda que ainda experimental em algumas instâncias, como cita a DJ Dayeh no vídeo, as tentativas e erros têm mais a ver com memórias afetivas de som de rádio (MTV Brasil) e apostas de sucesso chiclete do que com explorações sônicas. É menos submarino embarcação de pesquisa, transporte ou guerra, e mais Submarino coquetel, site de varejo engolido.
Só que os funks barulhentaços batem, bateram, e ao que tudo indica baterão. Bagui hoje tem apelo até com um público universitário, até onde você sabia mais afeito à violões e/ou produtos do Complexo Industrial-Musical produzidos na Bahia em geral.

A realidade se impôs de forma suja, e nessa batalha da guerra cultural tem algo que o mainstream ainda não capturou completamente, que não ao trazer pra cá bandas gringas de nu metal pra fazer as vezes de Iron Maiden/Ramones atual (“ah, como a MTV foi boa”), e que talvez nunca absorva por não precisar, aos vencedores os espólios, é que pessoas estão consumindo avidamente música ultra barulhenta, suja. O som pesado do metal e/ou de volume muito alto das bandas de guitarra (Swans/MBV/Death Grips) já foi completamente terraplanado enquanto indicativo isolado de subversão, ao menos como fator principal.
Entre os “ai não conheço siricutico vou me inteirar era melhor na minha época” possíveis, algumas paradinhas eu posso garantir: não dá pra cravar pra onde vai andar uma sonoridade mais promíscua que a relação entre trabalhador terceirizado e seu appatrão, que inclusive é muito semelhante dentro desse setor de entretenimento; as pessoas jovens das mais variadas estirpes tão transando saparada mais do que se enxerga via meios de comunicação; e que, tanto quanto qualquer espécie de nostalgia, não é manjar desses funks que vai te garantir algum assento no último trem pra descolândia.